sexta-feira, 29 de setembro de 2006


segunda-feira, 25 de setembro de 2006

sábado, 23 de setembro de 2006

Cyndi Lauper - True Colors
Do nosso conhecido pai do satélite português, Carvalho Rodrigues:

“O Futuro Imperfeito,
com Um Riso

Passei toda a minha vida a olhar para o futuro. De tanto olhar, desejei o eterno. Morrer no infinito. Mas o infinito não se conjuga. Só tem presente. Nos tempos dos verbos, do futuro, só há o imperfeito. O Futuro é imperfeito. Agora do passado até há o mais-que-perfeito. Há o perfeito e por vergonha também o imperfeito. Todos queremos um passado mais que perfeito. Poucos querem o futuro porque já sabem que é imperfeito. Porque o passado não foi perfeito e do futuro só há o imperfeito, diz-se: vivo o dia a dia.
E, no entanto, eu não acredito em conhecimento da verdade que não tenha sido alcançado sem uma real possibilidade de erro. É bom ter o privilégio de ter ideias que não só são impopulares como até estão erradas.
O Futuro é do imperfeito.
Ninguém consegue desfrutar a vida neste mundo se não aceitar, com alguma medida, a imperfeição. A vida, apesar da imperfeição, é um continuado milagre.
Eu conheço quem dance. Quem dança acredita que aprende praticando. Praticar quer dizer executar passos, uma e outra vez, transpondo obstáculos, através de uma visão, de uma fé e de um desejo. A prática é um meio de convidar a dança até à perfeição. Aprende-se a chegar à perfeição, no futuro, praticando a dança até à exaustão. Aprende-se a viver praticando a vida. Sem nunca parar de aprender. Sem nunca ter o sentimento de ter chegado. Com o gosto da descoberta da beleza.
Está em tudo. Está no quente e sensual da mulher. A própria vida. Está no ritmado fluir da música. Está no momento fugaz do nascer do Sol. Está na terrível majestade da tempestade. Está numa equação. Está num quadro, num poema. Está no instinto que reside em cada coração. Está em acreditar, sem medo, nas pessoas. Está no olhar aberto de uma criança. Está no talento de cada um. Cada um de nós é um meio da sua expressão.
É preciso ter fé para fazer ciência, cantar e dançar. Acreditar que se podem fazer estas coisas não chega. O estudo e o trabalho fá-las-ão. A fé é, no entanto, a ferramenta mais poderosa do mundo. Eu acredito em acreditar.
As ideias não produzem efeito a não ser quando se acredita nelas tanto que levam à acção. Se assim não for, pensar é a tarefa para a preguiça. Até saber no que se acredita não é possível estabelecer objectivos, não é possível medir o progresso. A fé na vida é uma espécie de coragem que se lhe põe. E, da vida, o que conta é a coragem que se lhe põe. Eu acredito em ser generoso para a vida. Acredito nas grandes descobertas. Acredito nas pessoas.
A ciência pode libertar-nos do peso da natureza física da dor. Só o profundo respeito pela dignidade humana pode libertar-nos da miséria humana. Em ciência não patenteamos verdades, damo-las a todos.
E cada vez que as opiniões são respeitadas, as ideias valorizadas, a energia e o espírito põem-se de acordo para trabalhar o futuro. Será imperfeito. É uma tragédia que a imperfeição e o desespero tenham tantos porta-vozes e a esperança tão poucos.
Eu tenho que acreditar que sou feliz. O que o faz singular é que quando se está feliz não se diz a ninguém. A infelicidade comunica, fala, expressa-se muito mais.
Somos assim. Escondemos oportunidades. Propagandeamos os desaires. O mundo está triste. Queremos comprar tudo…
E eu lembrei-me de Clarence Davies: “Pode comprar-se o tempo de uma pessoa. Pode comprar-se a sua presença num lugar. Pode comprar-se um determinado número dos seus movimentos musculares durante algumas horas do dia. Mas não se pode comprar lealdade. Não se pode comprar a devoção e o afecto dos corações, dos espíritos e das almas. Essas têm que se ganhar”.
Eu, um destes dias, ouvi e vi o Bernardo a rir em frente à alvorada do futuro daquele dia. Era um riso de vida em frente do futuro imperfeito. Era um riso para ganhar almas e corações. Era um riso de amor e fé. E, entre muitas outras coisas, passei a acreditar no riso de um futuro inocentemente imperfeito.”

“Convoquem a alma”
Fernando Carvalho Rodrigues

sexta-feira, 22 de setembro de 2006

que névoa encobre a paisagem?
que vento levanta esta poeira?
que som ensurtecedor abafa a tua resposta à minha pergunta?
que frio é este que me obriga a enrolar-me no manto para não arrefecer?
como é que eu destapo os braços e os pasos para prosseguir caminho?
como é que paro o vento para a poeira assentar e ouvir o que me dizes e descobrir na paisagem o trilho que preparaste para eu passar?
ou continuo assim mesmo, como que de olhos fechados ouvidos tapados, corpo protegido do frio?
parece-me que cada vez que assento o pé no chão, a cada passo, mais poeira levanto, menos claro o ar, menos visível o caminho, mais isolada me sinto.
um passo, uma nuvem de invisibilidade...
será o embate do meu pé, a cada passo, forte demais para tanto pó?
que força tenho eu?
já sei...
paro!
espero que a poeira assente, se não me mexer, não levanto mais nuvens
a.mar

quinta-feira, 21 de setembro de 2006

de "Terra sonâmbula"
de Mia Couto

"Quero pôr os tempos, em sua mansa ordem, conforme esperas e sofrências. Mas as lembranças desobedecem, entre a vontade de serem nada e o gosto de me roubarem do presente. Acendo a estória, me apago a mim."

sexta-feira, 8 de setembro de 2006

explosão grito
eis se não quando:
cai uma bomba
lançam um grito
lanças entram nos ouvidos e cravam-se nos núcleos dos neurónios
e todos espalham através das fibras nervosas
um choque eléctrico a todas as partes do corpo,
um grito de dor, profundo e rápido

fico estática
o choque paralisa-me

o que é este grito?
o que é esta dor?

são flores que explodem, bombas de flores
de todas as cores

não foi um susto,
não provocou qualquer dor
o choque eléctrico foi o despertador:
“Está na hora de ACORDAR!!!
De LEVANTAR!!!
De PÔR O DIA A CORRER!!!
E as MÃOS e BRAÇOS e CORPO a MEXER!!!”
a mexer nas flores
a cheirar o perfume
a cuidar de explodir mais bombas, bombas de flores
por todo o lado
para todos acordarem
ao escutarem o clique do detonador
do Amor a ligar a bomba
que espalha a COR e a ALEGRIA de viver!!!
a.mar

terça-feira, 5 de setembro de 2006

e eu vi o desenho
das ondas da água do Mar na areia
igual ao desenho
das ondas das labaredas do fogo
igual ao desenho
das ondas da lava solidificada nas superfícies terrestres
igual ao desenho
das correntes de ar invisível do vento
igual ao desenho
das ondas das fibras musculares.
há, em algumas áreas, pontos em que se unem e dirigem
a sua força num sentido,
há, outras diferentes áreas em que os pontos se separam,
divergem as direcções dos segmentos e orientação,
e a área de acção aumenta e a força atenua-se.
Em todos os casos há oxigénio à mistura...
e ondas.
a.mar