sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

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O espaço e o tempo

" Penso no tipo de existência que os bosquímanos conduziram nesta região durante milhares de anos, vivendo regalados à base de frutos secos, roedores, folhas, lagartos, poças de água. Como será a estrutura mental de um aborígene?
Entre cada árvora ou objecto relevante na paisagem passam horas de caminho. Que pode acontecer entretanto que lhes ocupe a atenção? Que importância dão à passagem do tempo? E que noção têm do espaço? Devem possuir uma facilidade impressionante para a abstracção, caminham durante horas e nada acontece que os obrigue a focar a atenção, a direccionar os pensamentos num dado sentido.
Por contraste, que díficil deve ser para um indiano divagar. Imagino a atenção constante e inconsciente ao fluxo de gente, ao barulho, à alegria, à arquitectura, aos mercados, às ruas da Índia. Imagino o esforço de um indiano para se abstrair do cheiro das especiarias, do ritual religioso, do excesso de cores e formas, da casa apinhada de primos, da bisavó que canta do bébé que chora. Como se distanciar do excesso de vida na Índia? Daí a enorme importância da meditação, ou seja, técnicas de concentrar a mente num ponto de fuga. A meditação é a única forma de privacidade do indiano, a única viagem possível da Ásia até às planícies desoladas e surreais das várias 'namaqualandas' da mente."


in 'Expresso', de 10 de Junho de 2006
"Um dia a mais em Namaqualand"
por Gonçalo Cadilhe

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