quarta-feira, 30 de novembro de 2005

Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir;
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Têm meiga expressão,
Mais doce que a brisa, — mais doce que o nauta
De noite cantando, — mais doce que a frauta
Quebrando a solidão,
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
São meigos infantes, gentis, engraçados
Brincando a sorrir.
São meigos infantes, brincando, saltando
Em jogo infantil,
Inquietos, travessos; — causando tormento,
Com beijos nos pagam a dor de um momento,
Com modo gentil.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Às vezes luzindo, serenos, tranquilos,
Às vezes vulcão!
Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco,
Tão frouxo brilhar,
Que a mim me parece que o ar lhes falece,
E os olhos tão meigos, que o pranto humedece
Me fazem chorar.
Assim lindo infante, que dorme tranquilo,
Desperta a chorar;
E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
Não pensa — a pensar.
Nas almas tão puras da virgem, do infante,
Às vezes do céu
Cai doce harmonia duma
Harpa celeste,
Um vago desejo; e a mente se veste
De pranto co'um véu.
Quer sejam saudades, quer sejam desejos
Da pátria melhor;
Eu amo seus olhos que choram em causa
Um pranto sem dor.
Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia,
Com tanto pudor.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Eu amo esses olhos que falam de amores
Com tanta paixão.
Gonçalves Dias

terça-feira, 29 de novembro de 2005

Envolvida no meu coração













da série "o manto" óleo s/tela 90x70

envolvida no coração
cobri o meu ser de vermelho
cor de vitaminas
e cor de ferro ferrugento pelo tempo de exposição
ao tempo.
em convívio com o mundo
sempre com o coração na pele.
é o meu mundo, eu sei, é aquele que eu vivi, somente,
conheço-o, o meu coração é a minha lupa.
só o conheço assim.
Tomara que não seja diferente, o mundo,
diferente do mundo que eu vejo
com a lente do meu coração.
Tomara . a.mar

domingo, 27 de novembro de 2005

o meu amiguinho Hugo


O Hugo estava com o amigo Marco a fazer um pique-nique em Veneza, em frente à Pousada da Juventude na Giudecca, em Veneza, ao pôr do Sol que eu estava a saborear. De repente comecei a ouvir português... e aquele banquete à beira da água já me tinha parecido familiar, talvez pela disposição das pessoas e dos objectos (que incluiam o tachinho).
Eram os primeiros portugueses que eu encontrei na minha viagem no Verão à Europa.
Veneza era o destino final.
No outro dia, passei o meu ultimo dia em Veneza com os portugueses e um argentino, o Mario que eles já conheciam de outra cidade italiana e que reencontraram ali.
Encontrámos uma feira de velharias, um restaurante onde se comia um bom prato de Massa por seis euros, uma coisa absolutamente rara em Veneza. Visitamos uma instalação muito bonita numa igreja da Pipilotti (representação da Suiça na Bienal de Veneza), As imagens eram projectadas no tecto da igreja e nós tinhamos umas caminhas para nos deitarmos comodamente a saborear as imagens e o fresquinho.
Depois, por sujestão do Marco fomos à praia do Lido, a praia de Veneza, (dantes era paga). Descobrimos um bar muito fixe à beira-mar com sofás e tudoi e com um som muito porreiro e uma cervejinha fresca deliciosa.
A melhor despedida de Veneza, com um jantarzinho à beira de água novamente à frente da Pousada. Eu desta vez consegui um quarto com vista para a cidade por 18.50€
Do melhor...
Beijinhos Hugo, Marco e Mario

O meu amiguinho Hugo lembrou-me Veneza, hoje




Veneza, Itália
Carnaval 1998

sexta-feira, 25 de novembro de 2005

uma hora e meia à espera que os senhores arranjassem o ar condicionado

vens por uma causa qualquer
sem saber
encontro-te no meu caminho e tu estás-me a ver
vens de lá de mim, venho de cá para ti num mesmo caminho a percorrer
estava marcado o nosso encontro, homem mulher,
noutra altura não podia ser
para estarmos frente a frente, duma maneira qualquer
sem saber
cá estávamos nós, à hora, sem minuto a perder
é assim quando se segue um caminho sem saber
porque se percorre, naquela data, para a gente se ver
era o dia, era a hora, era o mesmo minuto, tudo a condizer
o lugar, o passo em frente, o meu corpo, os meus olhos para te ver,
tu no meu caminho, à minha frente, com os teus olhos a recolher
o meu olhar, a reconhecer
que o acaso veio connosco, os nossos passos, por entender
que estávamos sintonizados nos passos e no tempo, a correr
ao mesmo tempo, simultâneo o nosso prazer
de nos encontrar-mos por acaso, ao mesmo tempo compreender
eu e entenderes tu que nos devíamos levar por ser
o meu caminho e o teu caminho os mesmos, por assim dizer,
um encontro de mim contigo a acontecer
um encontro a ocorrer

eu e tu encontrámo-nos…

e eu, com tanta coincidência, ao mesmo tempo a acontecer
nem me lembrei de te dizer

- Olá! Estou aqui! Sou eu!

e tu passaste
não me viste no teu caminho como sendo para te encontrares comigo, sem eu te dizer
como poderias saber
ao meu lado, no passeio largo, no mesmo caminho de encontro ao teu, passavam vinte e duas pessoas
outras sem saber

- Arranca e pára dois ou três minutos depois, não estou a perceber

branco era o fundo dos teus olhos
onde flutuava o olhar azul que eu tinha
o prazer de ver a sorrir para mim

era tão doce…

tão circular, sem bico nenhum para me agarrar, sem buracos para eu cair.
só um, no meio do circulo, por onde podemos entrar para o teu interior se abrires o olhar,
por onde entram a luz das imagens que tu recolhes para dentro de ti.
estou aqui agora e já estou lá dentro do teu pensamento, assim que eu entrei registei-me logo no teu interior para me tornar tua cidadã, defender a minha pátria e lutar pelo meu país:
os teus olhos azuis a flutuar no branco.

- Vai buscar a bilha do gás. E traz os manómetros.

Porque é que será que ainda não chegaste, meu príncipe?
Porque é que será que ainda não te encontrei? Já estou há tanto tempo à tua espera, já fui por esses caminhos fora à tua procura, já me expus por aí para ver se me vias, e até já fui até bem longe.
Terei que ir mais longe e concentrar-me mais, com certeza estás por aí, algures e sabes que estou por aqui, algures, para me encontrares
Ou mantenho-me quieta, num lugar certo, o mais tempo possível para que tu num caminho teu encontres o meu lugar.
Há tanto tempo,
quantas letras e palavras a divagar.

- Já arrancou.

Eu abro a porta,
Espera que eu abro a porta,
abro já a porta do meu coração para tu entrares quando quiseres
e saíres se tiveres vontade. não te quero prender, assim não me interessa,
gosto que sejas livre de escolher quando queres entrar e sair
a porta está aberta
com certeza, porém, que dentro do meu coração terás o calor do meu amor
para te aquecer e bem receber o teu bem me querer
que eu sei que transportas no teu ser.

- Já parou outra vez… a máquina hoje não quer…

Olha para mim! Olha!!!
Encontra o meu olhar com o teu, estou-te a pedir,
verás o fundo do meu coração,
estou-te a dizer com o meu olhar, Olha!!!
a procurar que te encontres comigo aqui, neste momento, neste lugar
onde os meus olhos têm a oportunidade de encontrar os teus.


UM PASSO. UM PASSINHO
NUM QUADRADO, NUM OUTRO QUADRADINHO.
DO CHÃO EM QUE O TEU PÉZINHO
SALTA, NO JOGO, DO PÉ COXINHO

- Não consigo entender o que se passa…
- serão os cabos trocados?...

Era uma fotocopiadora
Acho que tinha umas três mil cópias para fazer e a última tinha que sair igualzinha à primeira e igualzinha ao original.
Devem pensar que sou uma máquina infernal…
Tanto trabalho… já estou mesmo a ver o que vai ser no final
Esta está boa, esta não, …
Repete-se
E depois três mil já são três mil e quinhentas,
É que a quantidade de tinta que tenho ao princípio não tem nada a ver com a que tenho no fim, e as minhas roldanas e passadeiras ao fim, quentes, não são como no princípio, frias e se o movimento mais treinado a partir do meio assegurasse a melhor qualidade, mas não, mais quente mais rápido mais aldrabado
Depressa e bem não há quem
Nem uma fotocopiadora
Carregam no botão de fazer coisas impossíveis a pensar que por ser máquina lhes resolvo o problema de quererem fazer três mil cópias iguaizinhas dum original especial e querem que as copiazinhas sejam especiais também,
Milagres, querem milagres!
Ponham o santo a multiplicar originais,
não me ponham a mim que me esgotam!!!

- o homem a olhar para a máquina à espera que ela tenha aceitado a manutenção dele,
Aceitou? Não aceitou?


Entretanto
Já o Sol se deitou e está a puxar o manto da noite para se tapar
É daqueles eléctricos, com ledezinhos e tudo
Está com um bocadinho de pó, hoje, o cobertor do Sol,
Levantou umas nuvens que tapam os ledezinhos,
estrelinhas, como lhes chamam os poetas das histórias infantis
não é por falta de uso ou falta de limpeza na casa do Sol,
é por há bichos carpinteiros nas madeiras que seguram as folhas
que produzem o oxigénio para eu e tu e os outros animais respirarmos,
e acho que também as toupeiras e os castores a trabalhar as suas casas também levantam pó.

- espreita lá, vê lá se está bom…
- parou…

Há no Céu e nas Nuvens
qualquer coisa que as árvores e os pássaros conseguem alcançar que eu não consigo
mas que não deixo de desejar
qualquer coisa que o meu ser não consegue entender nem explicar
mas que aos pássaros entendo não perguntar
nem às árvores
podes ser árvore ou podes ser pássaro para me contares o que eles têm que eu não consigo ter?

- a gente experimenta…

- não. Não é do gás, não é dos cabos… vimos cá para a semana.
- Bom fim de semana!


a.mar

Para o meu Amor
















porta principal Estalagem S.Domingos
Mértola

Para o meu Amor:
Hoje estou que não caibo dentro de mim.
Pintava uma ponte, cor de laranja,
incandescente,
Era como uma estrela cadente,
ía aí ter contigo,
envolvia-te num abraço!
Ninguém nos via,
éramos um fenómeno da Natureza.
Hoje estou assim,
não sei como dar corpo
a uma coisa que não tem tamanho!
a.mar

o meu amiguinho Nelson trouxe-me as escadas que chegam há Lua, fui lá relembrar bons momentos

Mina de S. Domingos, 2004

Levantei-me antes do Sol e fui para o pé do espelho de água da barragem.
Os bandos de pássaros começaram a lenvantar vôo dos ninhos nas árvores grandes em direcção aos campos do alimento.
Os pássaros e, entretanto, também o Sol, com o movimento de se levantarem, levantaram uma aragem que levantou uma ondulação no espelho de água.
E o ritmo da aragem a levantar a água, das ondulações a bater na parede da barragem, era o mesmo ritmo do coração a levantar as paredes e a estender o sangue pelas paredes das minhas veias,
tum tum tum tum tum tum
e dos olhos levantaram-se lágrimas que encheram de água as paredes da minha cara, porque o coração ao levantar-se em sintonia com as ondas da aragem do amanhecer do universo ali, empurrou as lágrimas para fora de dentro de mim,
a.mar

- o pingo -

o pingo

começou a escorregar

caiu

no vidro da janela

rastejou

encontrou a madeira

curvou-a

continuou no vidro

parou de encontro a outro

e os dois

juntos

chegaram

mais depressa

ao fim

a.mar

quinta-feira, 24 de novembro de 2005

- Matsuo Basho -

Ao sol da manhã
uma gota de orvalho
precioso diamante.

as emoções moldam

a emoção é a escultora do nosso corpo?
o nosso corpo é uma escultura de emoções?
observando os corpos parece que sim. parece que está lá moldado

Por ruas

As ruas desta aldeia
parecem os caminhos que os pastores fazem
com os seus rebanhos
pela subida e pela descida da Serra.
Seguem as ruas a curvar
contornando as casas,
como seguem os caminhos a curvar
contornando as pedras maiores e as árvores.
Aqui o que há mais são casas brancas,
na Serra, são oliveiras e calcário.