domingo, 12 de junho de 2011

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....os nossos silêncios...

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"Siddhartha permaneceu em pé, silencioso sob o sol ardente, ardendo em dores, ardendo com sede, e permaneceu em pé até não sentir mais dor ou sede. Permaneceu silencioso durante o tempo da chuva, a água escorrendo do seu cabelo para os seus ombros enregelados, para as suas ancas e pernas enregeladas e o penitente permaneceu de pé até que ombros e pernas não sentiram mais frio, até que se calaram, até que serenaram. Silenciosamente, agachou-se entre fileiras de espinhos, da pele ferida pingava o sangue, as chagas enchiam-se de pus e Siddharta continuou impassível, imóvel, até o sangue parar de correr, até o ardor desaparecer.
Siddhartha sentou-se direito e aprendeu a controlar a sua respiração, aprendeu a necessitar de menos ar, aprendeu a esquecer a respiração. Aprendeu, começando com a respiração, a acalmar o bater do coração, reduzir os seus batimentos, até estes se tornarem escassos e quase nulos.
Ensinado pelo mais velho dos samanas, Siddhartha praticou a anulação de si mesmo, praticou meditação, de acordo com as novas regras dos samanas. Uma garça voava por cima do bosque de bambu - e Siddhartha acolhia a garça na sua alma, voava sobre o bosque e sobre os montes, era uma garça, comia peixes, sofria a fome das garças, falava a lingua das garças, morria a morte das garças. Um chacal morto jazia na areia da margem e a alma de Siddhartha penetrava na sua carcaça, era um chacal morto, jazia na praia, inchava, fedia, apodrecia, era despedaçado pelas hienas, era esfolado pelos abutres, tornava-se esqueleto, tornava-se poeira, espalhava-se pelos campos. E a alma de Siddhartha regressava, morria, apodrecia, desfazia-se em pó, experimentava a embriaguez tumultuosa deste ciclo, esperava, com renovada sede, como um caçador no seu buraco, a maneira de escapar ao ciclo, o final das origens, o início da eternidade indolor. Matava os seus sentidos, matava as suas recordações, afastava-se do seu Eu sob mil formas diversas, era animal, era cadáver, era pedra, era madeira, era água, e acordava de todas as vezes, brilhavam o sol ou a lua, era novamente Eu, misturava-se com o ciclo, sentia sede, vencia a sede, sentia de novo a sede."

in "Siddharta" de Hermann Hesse




Este texto faz-me lembrar, por exemplo, a minha tia Olívia que trabalha com tanto sacrifício, pois tem uns tantos problemas de saúde derivados exactamente do excesso de trabalho e no entanto ausenta-se do próprio corpo para poder cumprir as suas tarefas. Como ela outros milhões de pessoas por todo o mundo. 
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