domingo, 19 de junho de 2011

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"(...)
Siddartha esforçou-se por escutar melhor. a imagem de seu pai, a sua própria imagem, a imagem do filho, fluíram em conjunto, também a imagem de Kamala surgiu e passou, a imagem de Govinda e outras imagens, todas elas passaram juntas, tornaram-se parte do rio, aspirando como o rio ao seu objectivo, ansiando, cobiçando, sofrendo, e a voz do rio soava cheia de nostalgia, cheia de uma dor ardente, cheia de um desejo inquieto. O rio aspirava ao seu objectivo, Siddartha via-o apressar-se, via o rio que o incluía a ele e aos seus e a todas as pessoas que ele já conhecera, todas as ondas e toda a a água se apressavam, sofriam, em direcção ao a objectivo, a muitos objectivos, à queda de água, ao lago, aos rápidos, ao mar e todos os objectivos eram alcançados e a todos eles se seguia um novo objectivo, a água transformava-se em vapor que subia ao céu, o vapor em chuva que caía do céu tornava-se fonte, tornava-se ribeiro, tornava-se rio, ansiava pelo que era novo, corria em direcção ao que era novo. Mas a voz ansiosa tinha-se transformado. Ouvia-se ainda, dolorosa, à procura, mas outras vozes acompanhavam-na, vozes da alegria e do sofrimento, vozes boas e más, sorridentes e lamentosas, centenas de vozes, milhares de vozes.
Siddartha escutou. Era agora todo atenção, todo mergulhado no escutar, totalmente vazio, impregnando-se por completo; sentiu que aprendera agora a escutar até ao fim. Muitas vezes já escutara tudo isto, as muitas vozes do rio, mas hoje elas tinham um som diferente. Já não era capaz de distinguir muitas vozes, as alegres das chorosas, as infantis das adultas, estavam todas juntas, lamento da saudade e sorriso do sábio, grito de ira e gemido de moribundo, tudo era uno, tudo estava interligado e combinado, enlaçado de mil maneiras diversas. E tudo junto, todas as vozes, todos os objectivos toda a nostalgia, todo o sofrimento, todo o prazer, tudo o que é bom ou mau, tudo junto era o mundo. Tudo junto era o fluxo dos acontecimentos, era a música da vida. E quando Siddartha escutava com atenção este rio, esta canção a mil vozes, quando não escutava apenas o lamento ou o sorriso, quando a sua alma não se prendia a apenas uma voz e entrava nela com o seu Eu, mas antes de tudo escutava a totalidade, quando acolhia a unidade, então a grande canção a mil vozes consistia apenas numa única palavra, chamada Om: a perfeição.
- Ouves?(...)"

in "Siddartha" de Herman Hesse
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