terça-feira, 6 de dezembro de 2005

o mundo das margaridas

Em 1983, Watson e Lovelock apresentaram um modelo numérico, o Mundo das Margaridas (Daisyworld), exemplificando os mecanismos de regulação postulados pela teoria Gaia. Este modelo foi de grande importância para uma maior aceitação desta teoria pela comunidade cientifica. Ele foi construído em resposta à crítica de Dawkins (1982) de que não haveria meios de a evolução por seleção natural levar a um altruísmo em escala global. Trata-se de uma controvérsia importante, porque, para muitos, a teoria de Lovelock e Margulis é incompatível com o paradigma mais influente na história da Biologia, a teoria darwinista da evolução.
Em seu modelo, Watson e Lovelock limitaram, para fins de simplificação, o ambiente a uma única variável, a temperatura, e a biota, a dois tipos de vida, ‘margaridas’(4) brancas e pretas. Estes dois tipos de margaridas diferem em suas taxas de reflexão da radiação solar (albedo) e, assim, em sua temperatura local. O planeta tem uma superfície cinza de albedo intermediário, de modo que as margaridas pretas estão sempre mais quentes e as margaridas brancas mais frias em relação ao ambiente circundante. A taxa de crescimento de cada margarida é uma função de sua temperatura local. As margaridas não crescem abaixo de 5oC e acima de 40oC, apresentando um crescimento ótimo a 22,5oC.
O Mundo das Margaridas é um planeta hipotético parecido com a Terra, orbitando ao redor de uma estrela com a mesma massa e composição de nosso Sol, que se torna mais luminosa com o tempo. Sua atmosfera tem poucas nuvens e uma concentração baixa e constante de gases estufa, que pode ser negligenciada. Nestas condições, a temperatura média da superfície do planeta é determinada por seu albedo total (a fração de luz refletida por sua superfície) e, portanto, pela quantidade de radiação solar absorvida. Isso depende, por sua vez, da cobertura proporcional de margaridas pretas, margaridas brancas e superfície nua.
No modelo de Watson e Lovelock (1983), a temperatura planetária é regulada, com o planeta mantendo seu clima constante na presença de vida, apesar do aumento contínuo da produção de calor e luminosidade pelo Sol. Na ausência de vida, ocorre um aquecimento gradual do planeta, como esperado. As margaridas apresentam, no modelo, a capacidade de estabilizar a temperatura do planeta simplesmente através de seu desenvolvimento. No início da simulação, a temperatura do planeta se encontra no ponto de fusão da água. Sementes de margaridas são espalhadas pelo planeta, que é fértil e úmido em todos os locais. À medida que o planeta se aquece, o equador se torna em algum ponto suficientemente quente para que as margaridas cresçam. As margaridas pretas surgem primeiro, porque a temperatura do planeta ainda é baixa e elas absorvem mais luz e ficam mais quentes do que o ambiente circundante, mostrando-se mais adaptadas para a sobrevivência e reprodução naquelas condições. As margaridas brancas se encontram em desvantagem, porque refletem a luz da estrela e ficam mais frias do que a superfície. Em sua primeira fase, o Mundo das Margaridas apresenta um anel de margaridas pretas espalhadas ao redor do equador. A população de margaridas pretas cresce rapidamente, espalhando-se pela superfície e aquecendo aquela região do planeta. Com o aumento da luminosidade solar, no entanto, o crescimento das margaridas pretas é limitado no equador, em vista do declínio de sua taxa de crescimento a temperaturas acima de 22,5oC e da competição com as margaridas brancas. Eventualmente, as margaridas pretas desaparecem do equador, passando a colonizar as zonas subtropicais. Ao mesmo tempo, margaridas brancas aparecem no equador, uma vez que refletem o calor, mostrando-se mais adaptadas à sobrevivência em zonas quentes do que as margaridas pretas. Na segunda fase do planeta, há um anel de margaridas brancas ao redor do equador e as zonas subtropicais e temperadas são dominadas por margaridas pretas. As margaridas brancas gradualmente dominam o planeta e, como refletem mais luz para o espaço, resfriam sua superfície. Então, o Sol se torna muito quente e toda a vida vegetal é extinta no equador. As margaridas brancas passam a substituir as margaridas pretas nas regiões temperadas, enquanto estas últimas começam a aparecer ao redor dos pólos. Na terceira fase, o Mundo das Margaridas apresenta a superfície do planeta exposta no equador, as zonas temperadas povoadas por margaridas brancas e as regiões polares, por margaridas pretas. O modelo atinge, com o tempo, uma quarta fase na qual restam apenas margaridas brancas. Por fim, a produção de calor pela estrela se torna tão grande que supera a capacidade de regulação da biota e todas as margaridas morrem. No modelo de Watson e Lovelock, o albedo planetário está intimamente acoplado à evolução das margaridas, e a evolução das margaridas, às mudanças no clima. A propriedade crucial para a obtenção de auto-regulação no modelo é a de que as margaridas, quando absorvem ou refletem a luz, aquecem ou resfriam não apenas elas próprias, mas também o planeta. Ou seja, há um acoplamento entre as condições do planeta e os seres vivos, como postula a teoria Gaia. Se as alças de retroalimentação que conectam em duplo sentido as condições ambientais e o crescimento das margaridas forem interrompidas, de modo que não exista mais influência das margaridas sobre o ambiente, as populações flutuam enormemente e todo o sistema se torna caótico. Basta então restaurar as alças de retroalimentação e o modelo volta a estabilizar-se.
Nos últimos anos, o debate acerca do Mundo das Margaridas se tornou cada vez mais fértil, procurando-se compreender, por exemplo, as relações entre a capacidade adaptativa dos organismos e a capacidade de auto-regulação postulada pela teoria Gaia. Robertson e Robinson (1998) construíram um modelo, o ‘Mundo das Margaridas Darwiniano’(5), no qual a capacidade dos organismos de adaptarem sua fisiologia às mudanças ambientais mina sua capacidade de regular o ambiente. Lenton e Lovelock (2000) criticam o modelo de Robertson e Robinson com base em dois pressupostos assumidos por seus construtores: Primeiro, o de que não há limites para as condições ambientais às quais os organismos podem adaptar-se, de modo que as margaridas se adaptariam a qualquer temperatura, mesmo abaixo do ponto de fusão ou acima do ponto de ebulição da água; segundo, o de que as mesmas taxas de crescimento poderiam ser alcançadas sob quaisquer condições. Quando Lenton e Lovelock incorporam no modelo não apenas a capacidade dos organismos de adaptarem-se às mudanças ambientais, mas também as restrições que atuam sobre esta adaptabilidade, a capacidade de regulação do ambiente é recuperada. Desse modo, a necessidade de conciliar as vantagens e desvantagens de modificar o ambiente ou adaptar-se às condições ambientais existentes, enfrentada pelas linhagens de organismos no processo evolutivo, pode ser incorporada no modelo, sem perda da capacidade de regulação do ambiente, que é o aspecto mais essencial da teoria Gaia.(6)
http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/vol6/n3/v6_n3_a4.htm

1 comentário:

Anónimo disse...

Por que nao:)