quinta-feira, 8 de dezembro de 2005

esta noite

Moro nesta rua, onde chego, agora, no meio do silêncio da noite ainda no princípio,
ouço os meus passos por sentir o chão nos meus pés e não pelo som que eles fariam de encontro ao chão com o meu peso, a sola é de borracha,
as minhas calças de bombazina, essas sim, bombeiam decibéis estridentes que entram pelos ouvidos e misturam-se no ritmo cardíaco e respiratório que é acelerado, o caminho para a minha rua é a subir.
Está tudo em silêncio.
Em vez de som, o ar está cheio de cheiro das madeiras que estão a queimar nas lareiras e sugere o calor do interior das casas.
Estava tudo em silêncio, aqui fora, na minha rua, até eu mexer no meu porta-chaves, enfiar a chave na porta e ouvir os dentes a passar na fechadura e a fechadura a rodar e o trinco a ceder e a porta a abrir.
Venho de ver um espectáculo de dança contemporânea, “Memórias de um sábado com rumores de azul” da Companhia de Dança de Paulo Ribeiro. É muito bom perceber que eles, ao deslocarem-se para trabalhar em Viseu, no meio do nada, compreenderam que têm de se aproximar do público, numa atitude pedagógica, abriram o espaço deles, o palco, e acenderam as luzes da plateia e fizeram uma sala de estar com pessoas.
Comunicação, chama-se comunicação, a mensagem entendida, entre emissor receptor.
Vieram mostrar o resultado de relações humanas.
Relações humanas. Tão violentas que o meu corpo dói, não sei se é só o corpo porque ele acaba por me dar indícios que o corpo reage a uma acumulação de revoltas encerradas, emoções contidas que atrofiam o corpo que explode por não poder conter mais. E que ali em cima do palco, incitado por outros corpos, movidos por uma energia mútua.
Porque é que têm de ser tão violentas, trágicas, as relações humanas…
Eu estou só no meu caminho da minha rua até abrir a porta com a chave e entrar para o meio dos meus objectos cheios de memórias de ruídos, murmúrios, presenças e ausências. Só.
Às vezes não sei se tenho capacidade para aguentar tanta violência, fico tão machucada…
Porque aquilo são desenhos vivos que ocorrem ali à nossa frente, são representações, mas reportam-me para aquelas presentações vivas de desenhos violentos que ocorrem fora do alcance dos meus olhos, que em alguém deixam marcado o traço, a cicatriz do gesto.
Vou apagar a luz.
Deitar-me nos meus lençóis brancos com os bonequinhos sorridentes e meninas estrelinhas voadoras bordadas.
Fechar os olhos desejando dormir e sonhar com outra dimensão.
Descansar deste dia.
a.mar

1 comentário:

nelsonmateus disse...

amanhã passo por cá, com calma, pra ler isto tudo ... até lá bjnhos par ti, amiguinha.