"- Ora se conheci!... Como está ele?
- Está bem: está enterrado há seis meses.
- Morreu?!
- Não morreu, meu caro Novais. Um filósofo não deve aceitar no seu vocabulário a palavra morte, senão convencionalmente. Não há morte. O que há é metamorfose, transformação, mudança de feitio. Pergunta tu ao doutíssimo poeta José Feliciano de Castilho o destino que tem a matéria. Dir-te-á a seu respeito o que disse Ovídio, sujeito que não era mais material que tu e que o nosso amigo Silvestre da Silva. "Ovídio cadáver", pergunta o sábio, "onde é que pára?" Tudo isso corre fados misteriosos, como Adão, como Noé, como Rómulo, como nossos pais, como nós, como nossos filhos, rolando pelos oceanos, flutuando nos ares, manando nas fontes, correndo nos rios, agregado nas pedras, sumido nas minas, misturado nos solos, viçando nas ervas, rindo nas flores, recendo nos frutos, cantando nos bosuqes, rufgindo nos bosques, rojando nos vulcões, etc. Isto, a meu ver, é exacto e, sobretudo consolador. O nosso amigo Silvestre da Silva, a esta hora, anda repartido em partículas. Aqui faz parte da garganta de um rouxinol; além, é pétala de tulipa; acolá, está consubstanciado num olho de alface; pode ser até que eu o esteja bebendo neste copo de água que tenho à minha beira e que tu o encontres nos sertões da América, alguma vez, transfigurado em cobra cascavel, disposto a comer-te, meu Faustino.
O que eu te assevero é que ele deixou de ser Silvestre da Silva, há seis meses, posto que os parentes teimam em lhe ter uma lousa sobre o chão, onde o estiraram, com esta mentira: " Aqui jaz Silvestre da Silva"
in "Coração, cabeça e estômago" de Camilo Castelo Branco 1862
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
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3 comentários:
Isso é insuportável!
Deixaste a Montanha...
a migalhinha que deixaste a indicar o caminho, já veio um passarinho e alimentou-se com ela.
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