sábado, 9 de janeiro de 2010

"Ainda hoje meus passos se arrastam nessa travessia do rio, olhar perdido na outra margm. Meus passos se vão tornando líquidos, perdendo matéria, diluindo-se no azul da correnteza. Assim se cumpre, sem mesmo eu saber, a intenção de meu velho avô: ele queria o rio sobrando da terra, vogando em nosso peito, trazendo diante de nós as nossa vidas de antes de nós. Um rio assim, feito só para existir, sem outra finalidade que riachar, sagradeando o nosso lugar.
Como ele sempre dissera: o rio e o coração, o que os une? O rio nunca está feito, como não está o coração. Ambos são sempre nascentes, sempre nascendo. Ou como eu hoje escrevo: milagre é o rio não findar mais. Milagre é o coração começar sempre no peito de outra vida."

Mia Couto "A chuva pasmada"

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