quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

"O cume da montanha não existe por si mesmo; se ele está lá é por causa das encostas, da base, da montanha inteira. A montanha não pode estar lá por si mesma, só está devido a toda a paisagem.(...)
A Vida só está aqui e agora, devido ao universo inteiro - à água, ao ar, à luz solar, ao solo... Graças à participação de tudo neste momento. Apenas neste Aqui-Agora ! Tudo se encontra aqui, numa unidade. Isto é a Vida. Insubstituível e indispensável.

Parece que a natureza universal está sempre a criar e a gastar sem fim incontáveis vidas em vão. Por exemplo, um peixe produz imensos ovos, mas a maior parte deles são comidos por outros peixes, só uma ínfima parte cresce e chega a ser peixe. Mas quando olhamos profundamente para a natureza cósmica, uma única e minúscula entidade é o suficiente para realizar a harmonia dos oceanos. Se todos os ovos se tornassem peixes, o oceano ficaria tão cheio que o equilíbrio entre a natureza e a função dos mares não seria mantido.

Ano após ano inúmeras sementes caem à terra, mas nem todas chegam a ser grandes árvores. A maior parte delas são comidas por aves e outros animais, assim que caem, ou quando começam a germinar e a sair da terra, ou ainda quando são queimadas em incêndios... Se todas chegassem a ser árvore, cobririam a terra de tal maneira que não haveria espaço para outros seres. Num todo, a natureza está equilibrada e pode manter uma harmonia infinita de tudo. Deste modo, um minúsculo elemento, uma semente, é o suficiente para crescer e manter a harmonia e a criatividade do universo.(...)

Um ovo de peixe que se torna um peixe adulto e todos os seus irmãos e irmãs que foram comidos por outros peixes são um só e único corpo; apesar de tudo, estarão sempre dentro de um único e mesmo ovo. Aquele afortunada e rara semente que consegue chegar a ser uma enorme árvore, esa semente e todas as outras sementes que foram comidas por outras criaturas e destruídas pelos incêndios são uma só e única entidade, tal como o lótus que se abre com as folhas, a água e as raízes à sua volta.
Portanto, quando nós, praticantes de Zazen, temos agora a oportunidade de estarmos juntos, sentados, neste chão, neste centro (do universo), estamos a corporificar, a incarnar todos aqueles que não têm essa oportunidade única de se sentarem. Devemos ser responsáveis por todos eles. não devemos adormecer confortavelmente nesta almofada devido aos nossos hábitos. (...)

Na realidade, tudo é imprevisível.

Nós somos uma excepção - escolhida por entre os incontáveis espermatozóides do nosso pai, só uma semente excepcional foi concebida no útero da nossa mãe. Tal como o cume é formado pelas encostas e a base, assim todos os nossos irmãos e irmãs que não nasceram, estão contidos dentro de nós; eles suportam-nos profundamente. Graças a todos, ao seu não-nascimento, estamos aqui e agora. A vida é sempre este acontecimento milagroso e imprevisível. Toda a água lamacenta está agora viva nesse lótus que se abre (nós mesmos). Cada um de nós é isso, ou não seremos nós todos eles?"

in "Folhas caem, um novo rebento" de Hôgen Yamahata

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